segunda-feira, 22 de abril de 2013

Na pracinha com Aninha

- O que ela tem?
- Não tem nada. Ela é assim.

Passados poucos segundos, a menina curiosa começou a brincar com a Aninha como se no mundo não houvesse paralisia cerebral. Desde então, toda vez que alguém me pede para ficar explicando a deficiência da minha filha, dou uma resposta bem simplificada. A não ser, é claro, em circunstâncias específicas, oportunas. Para essas eu tenho até um Diário.

Naquele dia, na pracinha perto de casa, disse àquela criança, nas entrelinhas. "Você quer brincar com alguém diferente de você? Se sim, ótimo, seja bem-vinda. Senão, paciência."

A gente tem que entender de genética para brincar com alguém com a cor de pele diferente da nossa? E se a pessoa gosta de namorar com pessoas do mesmo sexo que ela? Vou ter que entender de psicologia comportamental ou de sei-lá-o-quê? E se ela descende de uma comunidade ou etnia muito diferente da minha? Vou ter que estudar história, antropologia e geografia antes de interagir com ela?

- Você não tem o seu jeito?, eu disse. Então. Esse é o jeito dela.

A garotinha compreendeu rapidamente aquilo que é tão difícil para muitos adultos.

Os olhares de estranhamento dos vizinhos, ao passar de alguns meses, tornavam-se receptivos. E vinham comentários do tipo:

- Nossa, mas ela tá evoluindo tanto. Tô impressionada!

E eu pensava cá com os meus neurônios: "Ela não evoluiu tanto assim, você é que se acostumou com ela e agora consegue vê-la."

É verdade, a deficiência grita na frente. Antes que a pessoa por trás dela chegue. A gente vê a deficiência, de cara, e não consegue enxergar mais nada.

Por isso, tirando alguns dias em que estou realmente de mau humor, não nutro sentimentos negativos em relação a essas pessoas. Não as vejo como discriminadoras ou preconceituosas. Apenas reagem ao que é diferente da maioria.

- Que problema ela tem? - No momento, nenhum. Está tudo bem.

Problema é aquilo que tem solução. Deficiência é deficiência. Enquanto não houver o domínio das células-tronco ou de alguma outra tecnologia, não tem como"consertá-la" . Ora, o que não tem solução não é problema.

Problema é trazer minha filha à pracinha perto da nossa casa e não ter um brinquedo onde ela possa brincar. Problema é querer comprar uma cadeira de rodas bonita, prática, leve e funcional e não encontrar uma assim no Brasil. Problema é querer adaptar Aninha ao computador e não ter um teclado nacional que seja adequado para quem tem dificuldade motora. Problema é querer passear com ela nas redondezas e não ter uma calçada sem buracos que não torne o nosso passeio um ato perigoso. Um transporte decente para ir ao hospital. Há muitos outros problemas que precisam ser solucionados.

Com a minha filha está tudo bem. Mesmo que não estiver tudo tão bem assim, essa sempre será minha resposta.

E o meu exercício diário continua sendo decifrar as questões que a vida me dá.


Texto original: Na pracinha com Luisa - Cristiana Soares
http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=1164  

Um comentário:

  1. Quanto mais leio o seu blog, mais me identifico. Lembrei de uma vez que passeava com a minha filha no Jardim Botânico. Ela tinha meses e estava estreando seu óculos de grau. Um casal passou e o moço falou:
    - Tadinha, tão pequena e já tem que usar óculos.
    Eu respondi:
    - Meu senhor, coitadinha ela seria se precisasse usar óculos e não tivéssemos condições de comprar ou se não existissem óculos. Ela tem sorte de precisar de alguma coisa que está ao nosso alcance!

    Bom demais te conhecer!
    Beijos e boa semana.

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