Muitas vezes, quando
converso sobre criação de filhos, escolhas, caminhos, ouço argumentos do
tipo: “ah, meus três filhos nasceram de cesárea e sobreviveram!”, “ah,
meu filho não mamou nem um mês e taí, firme e
forte!!”, “ah, eu apanhei dos meus pais quando criança e sobrevivi, não
tenho traumas!!”, “ah, meus filhos comiam bala, pirulito, refrigerante à
vontade e estão aí, vivinhos da silva!!”. Perco a vontade de discutir
diante de um argumento desses, juro. Tão descabido, tão raso, tão
simplório.
Fico me perguntando: sobreviver é o bastante? Na
nossa vida diária de escolhas e decisões como pais e mães, nosso
parâmetro deve ser apenas optar pelo que não causará lesões óbvias,
permanentes e irreversíveis em nossos filhos? Devemos nos contentar em
garantir que eles ‘sobrevivam’ às nossas escolhas e aos caminhos pelos
quais os conduzimos?
Sim, bebês nascem de cesáreas
desnecessáreas e não morrem por isso. Bebês deixam de ser amamentados,
vivem à base de chupeta e mamadeira, são afastados do colo e do carinho
de suas mães desde muito cedo, e sobrevivem. Crianças são agredidas
física e verbalmente por seus pais e cuidadores, e seguem vivendo.
Crianças comem porcarias a torto e a direito, adquirem péssimos hábitos
alimentares que os perseguirão pela vida toda, e seguem aí, vivinhos da
silva. Crianças são desrespeitadas, negligenciadas, desconsideradas a
todo momento, e sobrevivem a tudo isso. Sim, é assim mesmo. Crianças são
seres muito resilientes. Eles sobrevivem a quase tudo.
Mas e
daí? Isso é o bastante? Para mim, não. Eu não quero fazer escolhas às
quais minhas filhas possam simplesmente ‘sobreviver’. Não, isso não me
basta, eu desejo mais para elas. Eu quero fazer o meu melhor, e não me
contento com nada menos do que isso. E não porque elas corram riscos
seríssimos de traumatizar-se para o resto da vida ao meu menor deslize
ou descaminho, mas porque elas merecem mais do que o mínimo necessário à
simples ‘sobrevivência’. Elas merecem que eu busque sempre as melhores
opções, escolha os caminhos com critério, com consciência, com
responsabilidade. Elas merecem que eu opte, questione, reflita, e não
siga agindo automaticamente, sem pensar, apenas porque, afinal, ‘ninguém
morre por isso’.
Acho fundamental que tenhamos em mente que
nossos filhos seguirão vivendo, crescendo, se desenvolvendo, saudáveis e
felizes, mesmo que a gente não consiga fazer o ideal 100% do tempo (e
alguém consegue??). Mas acho igualmente importante que a gente não
transforme essa idéia em muleta, para se acomodar e deixar de dar o
melhor de si a cada momento, porque afinal, seja como for, ‘eles vão
sobreviver’.
Eu não quero ser uma mãe perfeita, sei que erro,
já errei e ainda vou errar muito, porque faz parte da caminhada. Mas meu
coração está tranquilo, porque sei que todas as vezes que cometi um
erro, foi procurando acertar. Sei que errei tentando fazer o melhor, e
não por omissão, por desistência ou por achar que encontrar a melhor
opção não fosse assim tão importante.
E não me permito
esquecer, nem por um instante, que todas as atitudes que eu tomo terão
consequências, sim. Porque todas as pequenas vivências do dia a dia vão
fazendo da criança o indivíduo que ela será, no futuro. Isso não
significa neurotizar a convivência e viver medindo palavras e atitudes a
cada segundo, nem fazer da vida diária um ambiente milimetricamente
planejado e controlado para evitar traumas futuros. Significa apenas
estar consciente da responsabilidade que o papel de pais nos traz, a
todo momento.
Eu não abdico dessa responsabilidade. Porque para mim, sobreviver não é o bastante, nem nunca será. E pra você?"
Por Renata Penna
Fonte: Vila Mamífera - Portal da Maternidade Ativa http://vilamamifera.com/mamiferas/sobreviver-nao-e-o-bastante/
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